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Escolas da rede estadual enfrentam desafios com Novo Ensino Médio

Por Redação Tribuna do Norte em 06/11/2023 às 07:03:51
Implantação do novo ensino médio não incluiu a capacitação de professores, o que prejudicou o modelo educacional - FOTO: ALEX RÉGIS

Implantação do novo ensino médio não incluiu a capacitação de professores, o que prejudicou o modelo educacional - FOTO: ALEX RÉGIS

Quase dois anos após o início da implementação do Novo Ensino Médio no país, professores e alunos enfrentam desafios tanto na oferta quanto no processo de ensino-aprendizagem alinhado ao modelo. No Rio Grande do Norte, segundo a Secretaria de Educação do Estado (Seec/RN), todas as 315 escolas de ensino médio da rede estadual seguem o formato no 1º e 2º ano. Na avaliação de diretores de escolas impactadas pelo novo modelo, ouvidos pela reportagem da TRIBUNA, a implementação aconteceu sem um preparo adequado dos professores e reduziu significativamente a oferta de disciplinas da base comum curricular. Alvo de críticas, o modelo de Ensino Médio deverá passar por novas mudanças. O MEC fez uma consulta pública e o governo mandou ao congresso um projeto de lei, mas ele ainda não foi votado.


A Escola Estadual Cônego Luiz Wanderley, localizada na zona Norte de Natal, é uma das instituições que vem sentido esses impactos. Na avaliação da diretora da escola, Adriana Oliveira de Farias, apesar do Novo Ensino Médio ter propostas positivas, a implementação das disciplinas eletivas acompanha a redução gradual de componentes básicos como português e matemática. Aliado a isso, o corpo docente precisou passar por um processo de readequação prática ao novo sistema, o que também dificultou a oferta de algumas disciplinas ao longo de 2022.


O Novo Ensino Médio foi regulamentado por meio da Lei nº 13.415/2017, durante o governo de Michel Temer, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBI). Conforme a proposta, além das disciplinas da BNCC, os alunos passam a ter componentes nos chamados "itinerários formativos" dentro dos seguintes eixos: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza ou Ciências Humanas e Sociais e Formação Profissionalizante. Por conta disso, a carga horária passa de 2.400 para 3.000 horas, sendo no máximo 1.800h para as matérias básicas e pelo menos 1.200h para itinerários.


Seguindo a proposta, em 2022, os alunos do 1º ano passaram a ter uma redução nas disciplinas básicas para inserir as eletivas e o componente Projeto de Vida. No 2º ano, por sua vez, a grade recebeu o acréscimo das unidades curriculares e as matérias básicas foram reduzidas pela metade. Na teoria, a carga horária torna-se mais diversificada e os alunos passam a ter a oportunidade de aprofundar outros conhecimentos em itinerários formativos. A prática, contudo, demonstra dificuldades nesse processo.


De acordo com Adriana, para quem é preciso que o modelo seja avaliado com mais planejamento para ser adaptado a cada contexto escolar, nem sempre o Cônego tem uma infraestrutura boa para abarcar as eletivas.

"Tudo que é novo tem que ter uma adaptação, inclusive, do docente que está assumindo. O que se questiona é que a prova do Enem ainda está no formato antigo e vai cobrar que o aluno tenha visto um número [determinado] de matérias, mas às vezes não dá tempo. O que se daria em quatro aulas, por exemplo, precisa ser dado em duas", complementa.


No Centro Estadual de Educação Profissional (Ceep) Professor Gilmar Rodrigues de Lima, na zona Rural de Açu, essa redução dos componentes básicos recebeu tanto a rejeição dos professores quanto dos alunos. É o que afirma o diretor da instituição, Rubens Oliveira Alves. Aliado a isso, afirma, o corpo docente adverte que a preparação para as disciplinas eletivas não ocorreu em tempo adequado. Atualmente, cada turma tem quatro opções de itinerários para escolher. Do ponto de vista dos estudantes, por sua vez, o principal problema está no sentimento de ausência de aprendizados nas disciplinas base e os eventuais prejuízos que isso pode trazer na preparação do Enem. Com a suspensão do Novo Ensino Médio neste ano, vale lembrar, o exame não sofreu alterações voltadas às novas diretrizes.


"Prejudica a nossa preparação para o Enem, porque as matérias mais necessárias e básicas para o Enem são bastante reduzidas, justamente por esse novo método de ensino médio". A fala é da estudante Amy Lee, de 16 anos, aluna do 2º ano do ensino médio do Ceep de Açu. Por conta da rotina integral no Ceep, somada ao baixo contato com conteúdos da formação básica, ela tem se preparado para a prova durante à noite. Embora seja apenas por experiência, ela já almeja uma graduação: odontologia na UFRN.


Para alcançar esse objetivo, de segunda a sexta-feira, quando chega em casa, ela segue um cronograma de estudos das 17h30 até às 22h. Nesse processo, compartilha, o principal desafio tem sido conciliar os estudos do exame com a carga horária da escola. Na grade da estudante, mais de 20 componentes podem ser observados, somando técnicas, eletivas e básicas. "Com essa redução [das disciplinas básicas], precisamos de uma alternativa de estudo maior, fora da escola, como cursinho, que na maioria das vezes são pagos e bem caros", comenta Amy Lee.

Faltou preparação da rede para implantar modelo

A professora Rute Sousa, do Centro de Educação (CE) da UFRN, destaca que o modelo do Novo Ensino Médio foi implementado sem uma discussão prévia junto à sociedade e pode influenciar no desempenho dos alunos no Enem devido a necessidade de trabalhar conteúdos básicos em um menor espaço de tempo. "Se a grande maioria da sociedade tivesse aprovado essa mudança, os professores, gestores, alunos e Governo teriam trabalhado para que isso fosse inserido naturalmente dentro da Lei nº 13.415/2017", complementa.


Ela lembra, contudo, que ocorreu muita resistência ao formato e a maioria dos estados passaram a implementar o Novo Ensino Médio somente devido a determinação da Lei. Ainda, afirma, a própria mudança gera um impacto significativo para os alunos que irão realizar o Enem, não apenas em termos de preparo, mas psicológico e emocional. "Os jovens já ficam angustiados de realizar a prova e diante desse impasse isso é ainda maior. Eles ficam desmotivados e desinteressados porque não conseguem compreender e percebem que de alguma forma não estão preparados para esse processo", ressalta.


Outro ponto destacado por Rute Sousa são as questões sociais que atravessam a implantação do Novo Ensino Médio. Se, por um lado, alunos de escolas privadas têm um maior acesso ao acompanhamento familiar e pedagógico diante das mudanças de ensino, por outro, os de escolas públicas não contam com o suporte adequado. Somado a isso, enquanto em escolas privadas os itinerários formativos dão um reforço na carga horária básica, nas públicas os componentes são para outros fins. Na ótica da docente, mesmo se não tivesse ocorrido a suspensão do modelo no início deste ano, os reflexos desse processo continuariam sendo sentidos.


A Secretaria de Educação do Estado (Seec/RN) defende, portanto, que a discussão para o Novo Ensino Médio deve ocorrer conjuntamente entre a União, Estados e Municípios, o que não ocorreu na primeira tentativa de implementação e provocou "muitos problemas em sua execução". Ainda, segundo a pasta, o Ministério da Educação deverá esclarecer pontos técnicos sobre a nova proposta para o ensino médio. Isso porque o Projeto de Lei com as mudanças ainda vai para o Congresso, onde poderá sofrer modificações antes de aprovado.

Ausência de entendimento do modelo
O diretor da Escola Estadual Raimundo Soares, na zona Oeste de Natal, Araken Albuquerque Silva, percebe no Novo Ensino Médio uma proposta positiva em fomentar o protagonismo do aluno, mas argumenta que o modelo ainda exige ajustes. Dentre eles, está a adequação para que as disciplinas básicas não sejam afetadas e um melhor treinamento dos professores. "Existem algumas disciplinas que os professores não receberam um preparo prévio para entender a estrutura. As eletivas ficam um pouco soltas, embora a gente use de criatividade para criá-las", afirma.


Uma perspectiva semelhante é repercutida por Belzwhite Barros, para quem um dos principais problemas da implementação da nova modalidade de ensino está na falta de entendimento do modelo. Coordenador administrativo da Escola Estadual Professor Paulo Pinheiro Viveiros, na zona Norte da capital, ele afirma que até mesmo os técnicos da Seec tiveram dificuldades para repassar informações sobre o formato aos profissionais das escolas. Aliado a isso, defende que o problema da proposta não está exatamente nos itinerários formativos, mas na necessidade de enxergar as realidades de cada escola e de uma nova resolução sobre o que entende-se como formação básica.


Em resposta à reportagem da TRIBUNA DO NORTE sobre o preparo dos professores para implementar os itinerários formativos, a Seec informou ter executado oficinas formativas com a participação de gestores, coordenadores e assessores pedagógicos das dezesseis Diretorias Regionais de Educação, Cultura e Desporto (DIRECs) e gestores, coordenadores e professores das escolas de ensino médio. As oficinas, especialmente, aconteceram em duas etapas e contemplaram cerca de 1.100 participantes. Além disso, a equipe curricular realizou a sistematização e seleção de 33 trilhas para implementação.

Fonte: Tribuna do norte

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PATRICIA
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